Nas ruas desertas do meu sonho

Nas ruas desertas do meu sonho, o gigante dorme.
Ninguém lá está, senão os mendigos.
Miséria carregada de tristeza e abandono,
Como fantasmas vivos
De mãos sujas e alma turva.
A rua é sua penúltima morada
Antes da morte definitiva.
— Se é que podemos afirmar que estão vivos.
A bebida os consome por dentro,
Mas é a droga que os enlouquece,
          que os cerra na sua loucura,
Onde não há fome ou frio.
Aceitam, assim, a viagem sem volta.

Nas ruas desertas do meu sonho, o gigante dorme.
Dorme porque sua alma está entorpecida.
As contas para pagar,
          os impostos — muitos impostos,
O medo do desemprego,
          a violência,
Entorpecem a alma do meu país.
Ninguém olha para a janela ao lado.
Sequer abrem a janela do carro
Para ver o que se passa
          com os mendigos
          — Que ninguém quer ver.

Nas ruas desertas do meu sonho, o gigante dorme.
E, enquanto dorme,
O dinheiro some — ou dizem que some.
Os risos daqueles que roubam
dos que aceitam
tudo
em silêncio,
Invade a noite.
Invade o dia.
Entra pelas estações e os anos.
Mas os jasmins continuam a florir.
E as damas-da-noite continuam a cheirar
Para adocicar o sono dos que
          dormem.

Meu sonho é às vezes interrompido por gargalhadas.
Vejo na penumbra que os colarinhos
          estão entreabertos.
As gravatas maldispostas — relaxadas.
Bocas que ruminam como porcos os seus fartos jantares
E exibem suas panças gordas
— como gordos cachaços —
os reis da pocilga!
Como são insaciáveis!
Como o dinheiro que lhes é entornado como lavagem
          para consumirem e
                    deitarem e se
                              locupletarem,
          jamais é suficiente!
E depois desta orgia,
Colocam suas cabeças em seus travesseiros de pluma
macios,
altos,
como sua arrogância  
Para compensar o peso de suas consciências.

Nas ruas desertas do meu sonho,
São seus próprios demônios que os perseguem,
e nenhum outro.
Não dormem sem sentir o medo que apavora
o da sombra das grades,
da pobreza que abominam ou ainda,
o do frio punhal da traição.
Contam maços de dinheiro à noite.
Pacotes e pacotes de baiacus e de
onças pintadas.
                    Animais em cativeiro.
Usam apelidos, falam baixo, arrumam esconderijos
Porque paredes têm ouvidos.
Seu melhor amigo é
também
seu inimigo.

Nas ruas desertas do meu sonho, o gigante dorme.
E os mendigos cantam e dançam
Enquanto toda a gente dorme e sonha
          Junto comigo
                    dias melhores.
Mas não há ação. Apenas respiramos
imóveis.
Todos dormem.
Dormem.

Frederico Ferreira

Nota: Texto publicado no endereço https://coracaorevolto.blogspot.com/2018/01/nas-ruas-desertas-do-meu-sonho.html do dia 13/01/2018

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